segunda-feira, 12 de novembro de 2012


A Indignação de Pascal ante a negligência filosófica dos ateus

Introdução

Pascal foi um homem assombrado pela morte. Esta vinha a ele constantemente, trajando diferentes aparências, mas nunca o deixando na ignorância quanto a sua proximidade. Quando por fim o levou aos 39 anos, selou um importante episódio na história da filosofia moderna, e que seja brevemente pensado nas linhas que se seguem. Um de seus pensamentos mais claros sobre a questão da morte diz textualmente:

“É preciso ter a alma muito elevada para compreender que não há aí satisfação verdadeira e sólida, que todos os nossos prazeres não passam de vaidade; que os nossos males são infinitos; que finalmente a morte que nos ameaça a cada instante deve colocar-nos infalivelmente, dentro de poucos anos, na terrível necessidade de sermos eternos, ou aniquilados, ou infelizes”.

Estas palavras fazem parte de seu pensamento “contra a indiferença dos ateus”. Toda a trama é tecida em tom de argumentação apologética onde ele tanto defende a doutrina católica da eternidade da alma quanto procura persuadir os ateus a reverem suas posturas existenciais. Está claro na mente de Pascal que a morte é um fenômeno espiritual e que deve ser tratada dentro dessas categorias. Mas a grande massa dos indiferentes não trata deste assunto com a devida atenção, pelo contrário, “gabam-se, depois de terem investigado [superficialmente] em vão nos livros e entre os homens”.

Pascal enfatiza que “a imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto [que é preciso] todos os nossos pensamentos [tendo em] vista esse ponto que deve ser o nosso último objeto”. As variantes da doutrina permitem ao pensamento pascalino chegar a três possibilidades fatais para a alma diante da morte: a eternidade (como sinônimo de vida eterna), a aniquilação (que é o nada absoluto) e a infelicidade (concebida como inferno). Sigamos este viés até de nos permitir o momento...

1.      Eternidade

A eternidade pascalina é uma recompensa aos crentes. É o estado primário da alma e o fim último da fé. Todos os que se importaram – de fato – com a existência de Deus e o eminente encontro com Ele precisam preparar a alma para aquele momento. Mas não é tarefa comum, pois Deus delegou à igreja o ministério da comunicação da vida eterna, mas não descuidou do mistério deixando-o solto no mundo. Ele é o guardião dos portais da fé, e investiga os corações para saber se há diligência ou negligência por parte dos homens no que tange a eternidade. Para os diligentes Deus confere fé e graça, mas obscurece ainda mais o entendimento dos negligentes a fim de que não conheçam nada sobre o além-túmulo.

Penetrar neste assunto é por demais angustiante ao mortal, uma vez que nos falta a experiência do fenômeno, o que é fundamental para uma melhor compreensão do que estamos tratando. A eternidade é um conceito artificial, tomado de empréstimo para significar o infinito de tudo. Ninguém jamais experimentou a infinitude de coisa alguma. Tudo se apresenta a nós cerceado pelas fronteiras do finito, donde nos vem a abstração de que “assim como há o finito, deve haver também o infinito”. Ainda assim, não contra-pomos a eternidade ao finito, e sim, à temporalidade. Entendemos que “assim como existe o tempo, deve existir a infinitude desse tempo num lugar que chamamos eternidade”. Todavia, em Pascal eternidade não é sinônimo de tempo sem fim, e sim, ocasião de beatificação, bem-aventurança, alegria plena. Não se trata apenas de vencer o túmulo, mas receber a glorificação da presença absoluta de Deus.

Se for assim, está justificada a indignação dele contra os negligentes, os quais “fazem profissão de estar procurando a verdade [mas] exclamam não haver nada [e ninguém] que a mostre”. Esse “nada” seria a Igreja, e o ninguém é “Deus”. Pascal concorda com eles. De fato, a Igreja não pode iluminar quem está em trevas, nem Deus permite que o faça. Sua glória eterna, sua presença totalizadora, sua felicidade incontável não é para os de “alma baixa” que se contentam com a fugacidade dessa existência. Ele reservou a eternidade somente para os crentes, não necessariamente os gigantes da fé, mas aos que se entregam em fé ao mistério de Cristo.

2.      Aniquilação

A segunda variante do pensamento pascalino é a possibilidade do nada-pós-morte. É a linha férrea por onde o ateísmo trafica sua alienação metafísica. Outra vez a indignação de Pascal volta-se contra a presunção dos negligentes, pois, se este assunto deve assumir da cabeceira ao rodapé da pauta existencial, como podem os ateus trancar o assunto sem terem exaurido todas suas faculdades vitais sem resolver o dilema. “Para combater [a imortalidade da alma], ser-lhes-ia preciso exclamar que fizeram todos os esforços em procurá-la por toda parte, mesmo naquilo que a Igreja propõe com o fim de nela instruírem, mas sem nenhuma satisfação”. Uma vez que o homem deve gastar-se por inteiro neste assunto, é inadmissível que existam ateus no mundo. Os que assim se assumem estão em débito com a eternidade e não são dignos de compaixão.

“Só posso ter compaixão dos que gemem sinceramente nessa dúvida, dos que a observam como a ultima das desgraças e dos que, sem nada poupar para sair dela, fazem de tal pesquisa as suas principais e mais sérias ocupações”.

O conceito de aniquilação é filosoficamente irracional, já que o complexo ser pensante passa do absoluto ao nada em um acaso do azar. Se pensarmos o absoluto em termos antropológicos podemos afirmar que a vida humana se manifesta plena neste mundo. Não temos nenhuma experiência do absoluto senão em nosso ato ontológico. O mais débil humano está plenamente vivo, ainda que acamado em uma UTI. Não se trata da plenitude em sentido teológico, e sim, cósmico. Esta vida plena exige um abarcamento maior, para além das tessituras do tempo e do espaço, e quando admito que o nada me espera estou irracionalizando o fenômeno da vida. Para dizer que vou ao nada é preciso antes criar este nada, logo, o nada deixa de ser nada para ser algo. Sendo algo, caio em um descrédito lógico, donde a indignação pascalina. O diálogo ateu não pode parar com a primeira contradição lógica – é preciso vencer o debate...

3.      Infelicidade

É provocante a terminologia que Pascal empregou aqui para a crença na danação dos infiéis. Percebemos que não se trata de firmar os dogmas da igreja sobre a existencialidade do paraíso e do inferno, mas demonstrar que o além-túmulo reserva uma continuidade ao que se iniciou aqui. Enquanto para o crente a eternidade se abre, para o ímpio a infelicidade de não ver a Deus permanece. Se enquanto vivo o negligente ficou em trevas e não encontrou Deus, esta tenebrosidade há que aumentar no pós-morte. Daí temos uma nuance de ruptura entre Pascal e a o dogma da igreja, pois a doutrina oficial diz que os maus também verão a Deus no Juízo Final. Mas Pascal usa o termo de infelicidade em contraste com a beatificação, pois enquanto o crente enxerga Deus como salvador, o incréu sequer encara o Eterno como juiz. A visão da glória de Deus cega o ímpio e é uma infelicidade olhar para quem não se consegue ver. Seja qual for a danação que o descrente há de receber, não há punição maior que a de permanecer na incógnita da descrença sobre a existência de Deus. Não! O homem mau não terá sua duvida satisfeita quando morrer. Irá vagar na infelicidade do além-túmulo em um mundo sem ninguém.

4.      Conclusão

Partindo da premissa de que a morte é um fenômeno incontestável cabe perguntar sobre o que nos espera além-túmulo. Sendo a vida um bem inalienável do ser humano é impróprio pensar no aniquilacionismo, aliás, a vida é a única realidade incontestável que temos de preservar. Somente ela dá sentido ao tudo que nos assessora. Não há como pensar o nada, e só podemos abrir alas ao algo que se aproxima do além. Céu, Inferno, Paraíso, Hades, beatitude ou infelicidade, seja o que for, algo nos aguarda nos pós-morte. Pascal nos chama ao incomodo existencial. Não é confortável o estado de miséria que nos encontramos ante a presença da morte, portanto, façamos algo de correto a respeito da imortalidade da alma. O que? Qualquer coisa, menos nos tranqüilizarmos com respostas incompletas formuladas em nossa poltrona de estar.

“Só vejo o infinito em toda parte, encerrando-me como um átomo e como uma sombra que dura apenas um instante que não volta. Tudo o que sei é que devo morrer breve. O que, porém, mais ignoro é essa morte que não posso evitar”.



Referencia bibliográfica

Todas as citações deste trabalho foram extraídas da Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.ngarcia.org), disponível em http://search.4shared.com/q/1/pascal%20pensamentos?view=ls



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