sexta-feira, 15 de junho de 2012

A importância de Sócrates para a compreensão do fenômeno educativo atual


Sócrates foi o mais interessado dos homens que viveram,
e a sua vida a mais interessante das vidas vividas;
mas esta existência foi-lhe adscrita pela divindade,
e na medida em que lhe foi necessário conquistá-la por si próprio
não deixou de conhecer a dor e o sofrimento.
Sören Kierkgaard

Sócrates, teu reino não findou.
Durante mais de vinte séculos de domínio,
vinte séculos,
tua férula domou os homens.
Mário Ferreira dos Santos

Sócrates bebe a cicuta;
foi uma vítima sacrificada à mediocridade,
à injustiça, à hipocrisia!
Foi a posteridade que tomou sobre
si vingar a memória do grande homem:
e enquanto a maldição do século pesa sobre seus perseguidores,
sua glória se tem perpetuado sempre grande, sempre radiante.
Frei Francisco do Monte Alverene


A importância de Sócrates para a compreensão do fenômeno educativo atual

            Ergue-se ante nós o ícone da heurística[1], uma figura julgada pelos homens e pela história. Embora confundido “[pela] maioria dos seus contemporâneos [como] um sofista[2]” acabou sublimado pela posteridade como “o mais interessado dos homens que viveram, e a sua vida a mais interessante das vidas vividas[3]“. Não há como negar a singularidade do Filósofo para a história do pensamento ocidental e a contribuição de sua metodologia pedagógica para a educação dos homens. Considerado o patrono da Filosofia[4] por Marilena Chauí, Sócrates chega aos nossos dias tão vivo quanto esteve antes.

            Embora altares se ergam em sua honra, o que poucos assumem - de fato - é a periculosidade da metodologia socrática. José Américo cita uma declaração de Sócrates no Fédon que serve de alerta do perigo: "... Eis o caminho que segui. Coloco em cada caso um princípio, aquele que julgo o mais sólido, e tudo o que parece estar em consonância com ele — quer se trate de causas ou de qualquer outra coisa — admito como verdadeiro, admitindo como falso o que com ele não concorda[5]"
            É a maiêutica,método obstétrico, como ele mesmo o chamava, que leva[va] a partejar as idéias[6]”. Consistia na intercalação de perguntas indutivas respostas induzidas. Partindo de um assunto qualquer com seus interlocutores, Sócrates conduzia os diálogos apondo questionamentos e cobrando conceituações. Suas réplicas e tréplicas iam além da argumentação silogística, pois nunca concluíam o assunto, pelo contrário, deixava-o em aberto para futuras altercações. E que perigo há no método? O desenrolar da história de Sócrates no mostrará. Analisemos a construção filosófica da tragédia socrática segundo Kierkgaard:

Tomemos Sócrates como exemplo. É um herói trágico intelectual. A condenação à morte é-lhe anunciada. Nesse instante, morre; porque se não compreendemos que é necessária toda a força do espírito para morrer e que o herói trágico morre sempre antes de morrer, não se irá muito longe na concepção da vida. O repouso em si é solicitado a Sócrates como herói; mas, como herói trágico intelectual, ainda lhe é exigido que, no último momento, tenha a força de alma de se realizar por si próprio. Não pode, portanto, como o herói vulgar, recolher-se, permanecendo frente à morte, mas deve efetuar esse movimento com tanta rapidez que, no mesmo instante, se encontre com a consciência para além dessa luta e se afirme ele mesmo. Se, por acaso, Sócrates se tivesse calado nessa crise de morte, haveria atenuado o efeito da sua vida; faria suspeitar que a elasticidade da ironia não era nele uma força do universo mas um jogo a cuja flexibilidade lhe era mister recorrer no instante decisivo, na medida inversa para se manter pateticamente à sua própria altura[7].

            A periculosidade do método está em sua conseqüência final. Quem ficar exposto à maiêutica será confrontado tanto em seu modus quanto em seu locus vivendi. Verá ameaçado seu status quo e será levado ao universo dialético,
portanto, trabalhando entre trevas e luz, entre opiniões boas e más, sopesando valores, opiniões, não podendo ter melhor concretização que na discussão, no discorrer, no correr daqui para ali, destas idéias para aquelas, portanto no diálogo, em que as partes colocadas em posições diferentes, em pontos opostos, enfrenta[m] as opiniões diversas para, através delas (diá), esclarecer[8]”.  

            Sócrates pagou por sua metodologia pedagógica. Encareceu a maiêutica, valorizou a dialética e esvaziou o sofismo. Ao se decidir pela cicuta sublimou o ideal pedagógico recusando o maior preço oferecido: a própria vida! Não há maior contraste entre Filosofia e sofística do que este: O Filósofo paga, o sofista vende. O Filósofo morre, o sofista foge. O Filósofo ironiza, o sofista disfarça. Quando Sócrates encara a aristocracia ateniense, não o faz temerariamente, o faz com galhardia, e propõe seu maior paradoxo: “Se, pois, cumpre que sentenciem com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu[9]” .  
           
Não há como encarnar o ideal socrático sem enfrentar o perigo de morte inerente a ele. Não há educação – de fato – sem o confronto aberto às idéias frouxas do senso comum. Não há verdade axiológica sem esmerilhar o verniz barato da sofística. Ah, a sofística! Que golpe sofreu com o surgimento de Sócrates! Como ficou murcha no encontro com a Filosofia. Perdeu a voz, tornou-se eco. Perdeu a luz, ficou na sombra. Perdeu o preço, passou a mendigar. No decorrer deste fórum tenho lido os elogios que os colegas fazem aos sofistas, dizendo:

Na verdade, além do sofismo não ser uma causa única para um problema de educação atual, ele contribuiu (e muito) tanto para a educação da época grega, incutindo no cidadão a idéia de que ele poderia, deveria e teria o direito de ser participativo num processo democrático, na elaboração de leis que regem a vida e os destinos da cidade, como também na nossa educação atual, perpetuando a idéia de que o fundamental no ensino é dotar o aluno/cidadão de meios para se defender de todos os conflitos de pensamentos e ações que a vida pública ou pessoal possa provocar, de acordo com a conveniência e circunstância, através de seu próprio diálogo expondo as suas opiniões pessoais” (William).

Portanto há a necessidade de considerar-se o contexto histórico da época, e naquela época o movimento sofista foi necessário, a democratização do conhecimento era urgente e assim foi realizado. Seu desenvolvimento em forma de saber especializado deu origem à forma de ensino o qual presenciamos na atualidade, que desvincula o ser do todo, tornando-o um especialista para o mercado de trabalho, conforme citei em fóruns anteriores” (Marcos Franciscato)

“...tudo é uma questão de interesse. Qualquer pessoa defende os seus respectivos interesses e os filósofos não são diferentes. O que não se pode aceitar é afirmativa, genérica, de que os sofistas são os malvados da humanidade. Para a época, o pensamento dos sofistas era extremamente avançado. Lógico, que muitas posições filosóficas de alguns sofistas hoje devem estar superadas em razão do desenvolvimento do pensamento filosófico. No entanto, é preciso reconhecer a importância dos sofistas” (Carlos Henrique).

“...os sofistas preocupavam-se em preparar o homem para viver em sociedade. As exigências do cenário social e político pediam homens com a capacidade de argumentar questionar, o poder de persuasão era é continua sendo um mecanismo muito importante na tomada de decisões. O que tornava um homem grego um cidadão além dos fatos históricos conhecidos por todos, era a participação nas deliberações políticas” (Calebe).

A liberdade de pensamento, criado pelo ceticismo dos sofistas, desenvolve a sua atividade de criar e recriar novas crenças e novas regras. A retórica era a técnica de pensamento pela palavra, de tanto pôr em causa e derrubar o estabelecido, como também de erguer novas idéias e novos valores. No entanto, se mantinham sempre sujeitos à crítica. Entro em defesa dos sofistas quanto propagadores do discurso e dos ensinamentos diversos. As contribuições que tiveram para época se estendem até os dias de hoje, e isso é inegável” (Elba) .

Apesar de os Sofistas serem acusados de "prostituir o conhecimento ao ensinar a qualquer um em troca de dinheiro", eles são reconhecidos como sendo os responsáveis pelo processo de democratização da Grécia, devido aos seus conceitos de relativismo e subjetivismo” (Gilmar). 

De fato, muito mais que falaciosos, inimigos da verdade, charlatães ou fanáticos como dizia Henry Sidgwick, e tantos outros termos que pejorativamente foram classificados, os sofistas estabeleceram as bases de uma educação popular que tem como protagonista o sujeito cognoscente. E essas bases podem ser válidas inclusive no contexto hodierno. A partir desse prisma, é necessário, portanto, que reconheçamos os sofistas tal que dizia Reale, "eram verdadeiros especialistas no saber" (Ademildo).

“...os sofistas foram os primeiros a aperceberem-se de que o sistema educativo da altura era insuficiente na preparação dos jovens, pelo que se proclamaram professores, indo pelo mundo fora em busca de pupilos” (Inês).

            Creio que parte da admiração que estão devotando aos sofistas advenha da leitura primeira. Com o decorrer do curso, e nosso amadurecimento epistemológico, iremos ter melhores oportunidades para conhecermos a pequenez da sofística ante a grandeza da Filosofia Socrática, isto é, se corrermos o perigo proposto, como disse Frei Francisco: Quase todos os filósofos receberam em prêmio o ostracismo ou a morte![10]

O ideal filosófico exige postura socrática e enfrentamento de críticas e críticos. Exige revisão existencial sem retratamentos fúteis ou negociações pela vida. É o Ser pelo Ser, o Dever pelo Dever e o Saber pelo Saber. É tornar interessante ato cognitivo, ainda que a duras penas e sofrimento doloroso. É chamar a si a responsabilidade de conduzir outros pelo caminho da Verdade e do Bem. É propor-se ao juízo inglório do elitismo acadêmico, político ou econômico. É ostentar ante os algozes a altivez da Causa, sem temer sequer a morte. Por fim, e por enquanto, é tornar-se o que já somos conhecendo a nós mesmos...

"Não foi por falta de discursos que fui condenado, mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido mais agradável, Sócrates lamentando-se, gemendo, fazendo e dizendo uma porção de coisas que considero indignas de mim, coisas que estais habituados a escutar de outros acusados"
         Sócrates


[1] 2 Método de ensino que consiste em que o educando chegue à verdade por seus próprios meios. (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br>)

[2] SANTOS, Mario Ferreira. Convite à Filosofia e à História da Filosofia. Ed. Logos. 5ª edição.
[3] KIERKGAARD, Sören Aabye. Temor e Tremor in Os Pensadores. Ed. Abril Cultural. 1979                                             
[4] CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática. São Paulo. 2000 – p.9
[5] PESSANHA, José Américo Motta. Diálogos / Platão in Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. 1991
[6] SANTOS, Mario Ferreira. Op.cit.
[7] KIERKGAARD, Sören Aabye. Op. Cit.
[8] SANTOS, Mário Ferreira dos. Métodos Lógicos e Dialéticos Vol. I. Ed. Logos. 3ª edição
[9] Defesa de Sócrates in Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1987
[10] Frei Francisco de Monte Alverne in Antologia de Famosos Discursos Brasileiros