segunda-feira, 12 de novembro de 2012


A Indignação de Pascal ante a negligência filosófica dos ateus

Introdução

Pascal foi um homem assombrado pela morte. Esta vinha a ele constantemente, trajando diferentes aparências, mas nunca o deixando na ignorância quanto a sua proximidade. Quando por fim o levou aos 39 anos, selou um importante episódio na história da filosofia moderna, e que seja brevemente pensado nas linhas que se seguem. Um de seus pensamentos mais claros sobre a questão da morte diz textualmente:

“É preciso ter a alma muito elevada para compreender que não há aí satisfação verdadeira e sólida, que todos os nossos prazeres não passam de vaidade; que os nossos males são infinitos; que finalmente a morte que nos ameaça a cada instante deve colocar-nos infalivelmente, dentro de poucos anos, na terrível necessidade de sermos eternos, ou aniquilados, ou infelizes”.

Estas palavras fazem parte de seu pensamento “contra a indiferença dos ateus”. Toda a trama é tecida em tom de argumentação apologética onde ele tanto defende a doutrina católica da eternidade da alma quanto procura persuadir os ateus a reverem suas posturas existenciais. Está claro na mente de Pascal que a morte é um fenômeno espiritual e que deve ser tratada dentro dessas categorias. Mas a grande massa dos indiferentes não trata deste assunto com a devida atenção, pelo contrário, “gabam-se, depois de terem investigado [superficialmente] em vão nos livros e entre os homens”.

Pascal enfatiza que “a imortalidade da alma é uma coisa que nos preocupa tanto [que é preciso] todos os nossos pensamentos [tendo em] vista esse ponto que deve ser o nosso último objeto”. As variantes da doutrina permitem ao pensamento pascalino chegar a três possibilidades fatais para a alma diante da morte: a eternidade (como sinônimo de vida eterna), a aniquilação (que é o nada absoluto) e a infelicidade (concebida como inferno). Sigamos este viés até de nos permitir o momento...

1.      Eternidade

A eternidade pascalina é uma recompensa aos crentes. É o estado primário da alma e o fim último da fé. Todos os que se importaram – de fato – com a existência de Deus e o eminente encontro com Ele precisam preparar a alma para aquele momento. Mas não é tarefa comum, pois Deus delegou à igreja o ministério da comunicação da vida eterna, mas não descuidou do mistério deixando-o solto no mundo. Ele é o guardião dos portais da fé, e investiga os corações para saber se há diligência ou negligência por parte dos homens no que tange a eternidade. Para os diligentes Deus confere fé e graça, mas obscurece ainda mais o entendimento dos negligentes a fim de que não conheçam nada sobre o além-túmulo.

Penetrar neste assunto é por demais angustiante ao mortal, uma vez que nos falta a experiência do fenômeno, o que é fundamental para uma melhor compreensão do que estamos tratando. A eternidade é um conceito artificial, tomado de empréstimo para significar o infinito de tudo. Ninguém jamais experimentou a infinitude de coisa alguma. Tudo se apresenta a nós cerceado pelas fronteiras do finito, donde nos vem a abstração de que “assim como há o finito, deve haver também o infinito”. Ainda assim, não contra-pomos a eternidade ao finito, e sim, à temporalidade. Entendemos que “assim como existe o tempo, deve existir a infinitude desse tempo num lugar que chamamos eternidade”. Todavia, em Pascal eternidade não é sinônimo de tempo sem fim, e sim, ocasião de beatificação, bem-aventurança, alegria plena. Não se trata apenas de vencer o túmulo, mas receber a glorificação da presença absoluta de Deus.

Se for assim, está justificada a indignação dele contra os negligentes, os quais “fazem profissão de estar procurando a verdade [mas] exclamam não haver nada [e ninguém] que a mostre”. Esse “nada” seria a Igreja, e o ninguém é “Deus”. Pascal concorda com eles. De fato, a Igreja não pode iluminar quem está em trevas, nem Deus permite que o faça. Sua glória eterna, sua presença totalizadora, sua felicidade incontável não é para os de “alma baixa” que se contentam com a fugacidade dessa existência. Ele reservou a eternidade somente para os crentes, não necessariamente os gigantes da fé, mas aos que se entregam em fé ao mistério de Cristo.

2.      Aniquilação

A segunda variante do pensamento pascalino é a possibilidade do nada-pós-morte. É a linha férrea por onde o ateísmo trafica sua alienação metafísica. Outra vez a indignação de Pascal volta-se contra a presunção dos negligentes, pois, se este assunto deve assumir da cabeceira ao rodapé da pauta existencial, como podem os ateus trancar o assunto sem terem exaurido todas suas faculdades vitais sem resolver o dilema. “Para combater [a imortalidade da alma], ser-lhes-ia preciso exclamar que fizeram todos os esforços em procurá-la por toda parte, mesmo naquilo que a Igreja propõe com o fim de nela instruírem, mas sem nenhuma satisfação”. Uma vez que o homem deve gastar-se por inteiro neste assunto, é inadmissível que existam ateus no mundo. Os que assim se assumem estão em débito com a eternidade e não são dignos de compaixão.

“Só posso ter compaixão dos que gemem sinceramente nessa dúvida, dos que a observam como a ultima das desgraças e dos que, sem nada poupar para sair dela, fazem de tal pesquisa as suas principais e mais sérias ocupações”.

O conceito de aniquilação é filosoficamente irracional, já que o complexo ser pensante passa do absoluto ao nada em um acaso do azar. Se pensarmos o absoluto em termos antropológicos podemos afirmar que a vida humana se manifesta plena neste mundo. Não temos nenhuma experiência do absoluto senão em nosso ato ontológico. O mais débil humano está plenamente vivo, ainda que acamado em uma UTI. Não se trata da plenitude em sentido teológico, e sim, cósmico. Esta vida plena exige um abarcamento maior, para além das tessituras do tempo e do espaço, e quando admito que o nada me espera estou irracionalizando o fenômeno da vida. Para dizer que vou ao nada é preciso antes criar este nada, logo, o nada deixa de ser nada para ser algo. Sendo algo, caio em um descrédito lógico, donde a indignação pascalina. O diálogo ateu não pode parar com a primeira contradição lógica – é preciso vencer o debate...

3.      Infelicidade

É provocante a terminologia que Pascal empregou aqui para a crença na danação dos infiéis. Percebemos que não se trata de firmar os dogmas da igreja sobre a existencialidade do paraíso e do inferno, mas demonstrar que o além-túmulo reserva uma continuidade ao que se iniciou aqui. Enquanto para o crente a eternidade se abre, para o ímpio a infelicidade de não ver a Deus permanece. Se enquanto vivo o negligente ficou em trevas e não encontrou Deus, esta tenebrosidade há que aumentar no pós-morte. Daí temos uma nuance de ruptura entre Pascal e a o dogma da igreja, pois a doutrina oficial diz que os maus também verão a Deus no Juízo Final. Mas Pascal usa o termo de infelicidade em contraste com a beatificação, pois enquanto o crente enxerga Deus como salvador, o incréu sequer encara o Eterno como juiz. A visão da glória de Deus cega o ímpio e é uma infelicidade olhar para quem não se consegue ver. Seja qual for a danação que o descrente há de receber, não há punição maior que a de permanecer na incógnita da descrença sobre a existência de Deus. Não! O homem mau não terá sua duvida satisfeita quando morrer. Irá vagar na infelicidade do além-túmulo em um mundo sem ninguém.

4.      Conclusão

Partindo da premissa de que a morte é um fenômeno incontestável cabe perguntar sobre o que nos espera além-túmulo. Sendo a vida um bem inalienável do ser humano é impróprio pensar no aniquilacionismo, aliás, a vida é a única realidade incontestável que temos de preservar. Somente ela dá sentido ao tudo que nos assessora. Não há como pensar o nada, e só podemos abrir alas ao algo que se aproxima do além. Céu, Inferno, Paraíso, Hades, beatitude ou infelicidade, seja o que for, algo nos aguarda nos pós-morte. Pascal nos chama ao incomodo existencial. Não é confortável o estado de miséria que nos encontramos ante a presença da morte, portanto, façamos algo de correto a respeito da imortalidade da alma. O que? Qualquer coisa, menos nos tranqüilizarmos com respostas incompletas formuladas em nossa poltrona de estar.

“Só vejo o infinito em toda parte, encerrando-me como um átomo e como uma sombra que dura apenas um instante que não volta. Tudo o que sei é que devo morrer breve. O que, porém, mais ignoro é essa morte que não posso evitar”.



Referencia bibliográfica

Todas as citações deste trabalho foram extraídas da Edição eletrônica: Ed Ridendo Castigat Mores (www.ngarcia.org), disponível em http://search.4shared.com/q/1/pascal%20pensamentos?view=ls



sexta-feira, 15 de junho de 2012

A importância de Sócrates para a compreensão do fenômeno educativo atual


Sócrates foi o mais interessado dos homens que viveram,
e a sua vida a mais interessante das vidas vividas;
mas esta existência foi-lhe adscrita pela divindade,
e na medida em que lhe foi necessário conquistá-la por si próprio
não deixou de conhecer a dor e o sofrimento.
Sören Kierkgaard

Sócrates, teu reino não findou.
Durante mais de vinte séculos de domínio,
vinte séculos,
tua férula domou os homens.
Mário Ferreira dos Santos

Sócrates bebe a cicuta;
foi uma vítima sacrificada à mediocridade,
à injustiça, à hipocrisia!
Foi a posteridade que tomou sobre
si vingar a memória do grande homem:
e enquanto a maldição do século pesa sobre seus perseguidores,
sua glória se tem perpetuado sempre grande, sempre radiante.
Frei Francisco do Monte Alverene


A importância de Sócrates para a compreensão do fenômeno educativo atual

            Ergue-se ante nós o ícone da heurística[1], uma figura julgada pelos homens e pela história. Embora confundido “[pela] maioria dos seus contemporâneos [como] um sofista[2]” acabou sublimado pela posteridade como “o mais interessado dos homens que viveram, e a sua vida a mais interessante das vidas vividas[3]“. Não há como negar a singularidade do Filósofo para a história do pensamento ocidental e a contribuição de sua metodologia pedagógica para a educação dos homens. Considerado o patrono da Filosofia[4] por Marilena Chauí, Sócrates chega aos nossos dias tão vivo quanto esteve antes.

            Embora altares se ergam em sua honra, o que poucos assumem - de fato - é a periculosidade da metodologia socrática. José Américo cita uma declaração de Sócrates no Fédon que serve de alerta do perigo: "... Eis o caminho que segui. Coloco em cada caso um princípio, aquele que julgo o mais sólido, e tudo o que parece estar em consonância com ele — quer se trate de causas ou de qualquer outra coisa — admito como verdadeiro, admitindo como falso o que com ele não concorda[5]"
            É a maiêutica,método obstétrico, como ele mesmo o chamava, que leva[va] a partejar as idéias[6]”. Consistia na intercalação de perguntas indutivas respostas induzidas. Partindo de um assunto qualquer com seus interlocutores, Sócrates conduzia os diálogos apondo questionamentos e cobrando conceituações. Suas réplicas e tréplicas iam além da argumentação silogística, pois nunca concluíam o assunto, pelo contrário, deixava-o em aberto para futuras altercações. E que perigo há no método? O desenrolar da história de Sócrates no mostrará. Analisemos a construção filosófica da tragédia socrática segundo Kierkgaard:

Tomemos Sócrates como exemplo. É um herói trágico intelectual. A condenação à morte é-lhe anunciada. Nesse instante, morre; porque se não compreendemos que é necessária toda a força do espírito para morrer e que o herói trágico morre sempre antes de morrer, não se irá muito longe na concepção da vida. O repouso em si é solicitado a Sócrates como herói; mas, como herói trágico intelectual, ainda lhe é exigido que, no último momento, tenha a força de alma de se realizar por si próprio. Não pode, portanto, como o herói vulgar, recolher-se, permanecendo frente à morte, mas deve efetuar esse movimento com tanta rapidez que, no mesmo instante, se encontre com a consciência para além dessa luta e se afirme ele mesmo. Se, por acaso, Sócrates se tivesse calado nessa crise de morte, haveria atenuado o efeito da sua vida; faria suspeitar que a elasticidade da ironia não era nele uma força do universo mas um jogo a cuja flexibilidade lhe era mister recorrer no instante decisivo, na medida inversa para se manter pateticamente à sua própria altura[7].

            A periculosidade do método está em sua conseqüência final. Quem ficar exposto à maiêutica será confrontado tanto em seu modus quanto em seu locus vivendi. Verá ameaçado seu status quo e será levado ao universo dialético,
portanto, trabalhando entre trevas e luz, entre opiniões boas e más, sopesando valores, opiniões, não podendo ter melhor concretização que na discussão, no discorrer, no correr daqui para ali, destas idéias para aquelas, portanto no diálogo, em que as partes colocadas em posições diferentes, em pontos opostos, enfrenta[m] as opiniões diversas para, através delas (diá), esclarecer[8]”.  

            Sócrates pagou por sua metodologia pedagógica. Encareceu a maiêutica, valorizou a dialética e esvaziou o sofismo. Ao se decidir pela cicuta sublimou o ideal pedagógico recusando o maior preço oferecido: a própria vida! Não há maior contraste entre Filosofia e sofística do que este: O Filósofo paga, o sofista vende. O Filósofo morre, o sofista foge. O Filósofo ironiza, o sofista disfarça. Quando Sócrates encara a aristocracia ateniense, não o faz temerariamente, o faz com galhardia, e propõe seu maior paradoxo: “Se, pois, cumpre que sentenciem com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu[9]” .  
           
Não há como encarnar o ideal socrático sem enfrentar o perigo de morte inerente a ele. Não há educação – de fato – sem o confronto aberto às idéias frouxas do senso comum. Não há verdade axiológica sem esmerilhar o verniz barato da sofística. Ah, a sofística! Que golpe sofreu com o surgimento de Sócrates! Como ficou murcha no encontro com a Filosofia. Perdeu a voz, tornou-se eco. Perdeu a luz, ficou na sombra. Perdeu o preço, passou a mendigar. No decorrer deste fórum tenho lido os elogios que os colegas fazem aos sofistas, dizendo:

Na verdade, além do sofismo não ser uma causa única para um problema de educação atual, ele contribuiu (e muito) tanto para a educação da época grega, incutindo no cidadão a idéia de que ele poderia, deveria e teria o direito de ser participativo num processo democrático, na elaboração de leis que regem a vida e os destinos da cidade, como também na nossa educação atual, perpetuando a idéia de que o fundamental no ensino é dotar o aluno/cidadão de meios para se defender de todos os conflitos de pensamentos e ações que a vida pública ou pessoal possa provocar, de acordo com a conveniência e circunstância, através de seu próprio diálogo expondo as suas opiniões pessoais” (William).

Portanto há a necessidade de considerar-se o contexto histórico da época, e naquela época o movimento sofista foi necessário, a democratização do conhecimento era urgente e assim foi realizado. Seu desenvolvimento em forma de saber especializado deu origem à forma de ensino o qual presenciamos na atualidade, que desvincula o ser do todo, tornando-o um especialista para o mercado de trabalho, conforme citei em fóruns anteriores” (Marcos Franciscato)

“...tudo é uma questão de interesse. Qualquer pessoa defende os seus respectivos interesses e os filósofos não são diferentes. O que não se pode aceitar é afirmativa, genérica, de que os sofistas são os malvados da humanidade. Para a época, o pensamento dos sofistas era extremamente avançado. Lógico, que muitas posições filosóficas de alguns sofistas hoje devem estar superadas em razão do desenvolvimento do pensamento filosófico. No entanto, é preciso reconhecer a importância dos sofistas” (Carlos Henrique).

“...os sofistas preocupavam-se em preparar o homem para viver em sociedade. As exigências do cenário social e político pediam homens com a capacidade de argumentar questionar, o poder de persuasão era é continua sendo um mecanismo muito importante na tomada de decisões. O que tornava um homem grego um cidadão além dos fatos históricos conhecidos por todos, era a participação nas deliberações políticas” (Calebe).

A liberdade de pensamento, criado pelo ceticismo dos sofistas, desenvolve a sua atividade de criar e recriar novas crenças e novas regras. A retórica era a técnica de pensamento pela palavra, de tanto pôr em causa e derrubar o estabelecido, como também de erguer novas idéias e novos valores. No entanto, se mantinham sempre sujeitos à crítica. Entro em defesa dos sofistas quanto propagadores do discurso e dos ensinamentos diversos. As contribuições que tiveram para época se estendem até os dias de hoje, e isso é inegável” (Elba) .

Apesar de os Sofistas serem acusados de "prostituir o conhecimento ao ensinar a qualquer um em troca de dinheiro", eles são reconhecidos como sendo os responsáveis pelo processo de democratização da Grécia, devido aos seus conceitos de relativismo e subjetivismo” (Gilmar). 

De fato, muito mais que falaciosos, inimigos da verdade, charlatães ou fanáticos como dizia Henry Sidgwick, e tantos outros termos que pejorativamente foram classificados, os sofistas estabeleceram as bases de uma educação popular que tem como protagonista o sujeito cognoscente. E essas bases podem ser válidas inclusive no contexto hodierno. A partir desse prisma, é necessário, portanto, que reconheçamos os sofistas tal que dizia Reale, "eram verdadeiros especialistas no saber" (Ademildo).

“...os sofistas foram os primeiros a aperceberem-se de que o sistema educativo da altura era insuficiente na preparação dos jovens, pelo que se proclamaram professores, indo pelo mundo fora em busca de pupilos” (Inês).

            Creio que parte da admiração que estão devotando aos sofistas advenha da leitura primeira. Com o decorrer do curso, e nosso amadurecimento epistemológico, iremos ter melhores oportunidades para conhecermos a pequenez da sofística ante a grandeza da Filosofia Socrática, isto é, se corrermos o perigo proposto, como disse Frei Francisco: Quase todos os filósofos receberam em prêmio o ostracismo ou a morte![10]

O ideal filosófico exige postura socrática e enfrentamento de críticas e críticos. Exige revisão existencial sem retratamentos fúteis ou negociações pela vida. É o Ser pelo Ser, o Dever pelo Dever e o Saber pelo Saber. É tornar interessante ato cognitivo, ainda que a duras penas e sofrimento doloroso. É chamar a si a responsabilidade de conduzir outros pelo caminho da Verdade e do Bem. É propor-se ao juízo inglório do elitismo acadêmico, político ou econômico. É ostentar ante os algozes a altivez da Causa, sem temer sequer a morte. Por fim, e por enquanto, é tornar-se o que já somos conhecendo a nós mesmos...

"Não foi por falta de discursos que fui condenado, mas por falta de audácia e porque não quis que ouvísseis o que para vós teria sido mais agradável, Sócrates lamentando-se, gemendo, fazendo e dizendo uma porção de coisas que considero indignas de mim, coisas que estais habituados a escutar de outros acusados"
         Sócrates


[1] 2 Método de ensino que consiste em que o educando chegue à verdade por seus próprios meios. (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br>)

[2] SANTOS, Mario Ferreira. Convite à Filosofia e à História da Filosofia. Ed. Logos. 5ª edição.
[3] KIERKGAARD, Sören Aabye. Temor e Tremor in Os Pensadores. Ed. Abril Cultural. 1979                                             
[4] CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática. São Paulo. 2000 – p.9
[5] PESSANHA, José Américo Motta. Diálogos / Platão in Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. 1991
[6] SANTOS, Mario Ferreira. Op.cit.
[7] KIERKGAARD, Sören Aabye. Op. Cit.
[8] SANTOS, Mário Ferreira dos. Métodos Lógicos e Dialéticos Vol. I. Ed. Logos. 3ª edição
[9] Defesa de Sócrates in Os Pensadores. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1987
[10] Frei Francisco de Monte Alverne in Antologia de Famosos Discursos Brasileiros

terça-feira, 10 de abril de 2012

Palestra de Antropologia Missiológica


1.      Antropologia é a ciência que estuda o Homem em sua constituição biológica, social, política, religiosa, cultural e científica.

 2.      Missiológica por que direciona este estudo às finalidades soterológicas, ou seja, salvacionistas. A antropologia missiológica pesquisa as origens do homem, procurando saber por que se tornou como é. O que deve ser mudado nele no que respeita à suas relações com Deus. Como pode a teologia auxiliar na salvação deste homem.

3.      É importante ao teólogo ter ciência que o “homem em estudo” já está em processo decadente. Não temos um primata à nossa frente, e sim, o homo sapiens, ou, homem racional, socialializado, localizado dentro de sua cultura e viciado no pecado. É um produto acabado, ou seja, é um pecador. Este pecador de hoje foi um inocente outrora. No princípio, Deus criou um ser vivo utilizando-se do pó da terra. Seu nome era Adão e significava humanidade. Este primeiro homem foi gerado em estado de inocência, portanto, sem culpa.

4.      Diferente dos anjos, cuja natureza é simples (espiritual), o homem possui natureza composta (matéria e espírito). Esta dicotomia humana o situa em dois mundos, a terra e o céu. Um é etéreo, o ou outro é físico. Um é eternal e o outro é temporal. Um se regula por relacionamentos e ou outro por leis. Um é orgânico e o outro é químico. O primeiro permanece, o segundo, passa.

5.      Este primeiro homem foi instalado em um lugar paradisíaco, nutrido por toda sorte de árvores frutíferas, e duas em especial: da Vida e do Conhecimento. Uma era Vital e a outra era Mortal. Aquela que manteria o homem vivo o ligava ao mundo de Deus, era lícita. A outra mataria o homem, ligando-o ao mundo sem Deus. Adão ficaria em estado ideal, caso não comesse do fruto gnosiológico, ou, do conhecimento.

6.      O estado idílico, ou eidético, ou edênico, mantinha Adão em comunhão com o céu. Ele não era perfeito, contudo, não tinha defeitos. Adão era perfectível, portanto, passível de errar. Mas esta possibilidade de errar (pecar em grego), fora reduzida ao mínimo, já que Deus lhe dera autonomia existencial. Tudo era lícito ao homem. Ele era a coroa da criação, senhor das criaturas terrenas, o cabeça da raça. Sua palavra seria viva, seus pensamentos seriam nobres, suas atitudes seriam plausíveis e sua postura, criacional. Havia um único porém: Faltaria o contraditório.

7.      Adão viveu “n anos” nesse estado perfectível. A bíblia chama esta época de “sexto dia”, tempo suficiente para ele nomear todos os animais e tomar consciência de sua solidão. Neste dia, Deus formou um outro ser humano, de gênero feminino, e o trouxe para o homem. (A necessidade deste outro ser dá mostras da imperfeição de Adão, uma vez que não encontra em si mesmo o subsídio para a solidão). Este novo ser foi chamado Eva, que significa vida. Dela viriam os filhos de Adão, dando aos homens um status existencial superior aos anjos, já que poderia dar a vida a outro ser a partir de si mesmo, coisa impossível aos anjos. Ambos viviam sem culpa, logo, tinham natureza inocente.

8.      O estado de inocência igualava o homem ao lugar em que moravam. No Édem, jardim de Deus, não havia o pecado e suas consequências. Mas a existência da árvore do bem e do mal instigou Eva à prática do erro. Por tentação de Satanás, a mulher comeu do fruto proibido. Até aí, não estava a morte no mundo. Sendo apenas Eva a comer do fruto, não havia pecado racial, somente pecado pessoal. A ordem para Eva vinha de Adão, logo, ele deveria aplicar-lhe a pena capital, privando-a da árvore da vida e banindo-a do jardim. Mas ele também comeu, sem a tentação de Satanás, e ciente da proibição direta que Deus lhe dera. Naquele instante o pecado entrou no mundo, e com ele, suas consequências. O estado de inocência desapareceu e Adão tornou-se pai dos pecadores.

9.      A decadência ocasionada pela queda de Adão generalizou-se em toda sua descendência. Sendo banido por Deus daquele mundo paradisíaco, Adão viu-se privado dos frutos vitalizantes, e a terra amaldiçoada por sua causa, não germinaria gratuitamente o alimento para os pecadores. Agora, no mundo sem Deus, o homem terá pouco tempo de fôlego, e após muita fadiga, voltará ao pó, morto para sempre. A única forma de continuar vivo será gerando filhos, i é, dando de sua vitalidade para outro e depois, partindo só para o além.

10.  Este além é um mundo sem luz, onde a parte imaterial do homem sente-se aprisionada, uma vez que foi destituída do corpo. Chamam-no de túmulo, sepulcro e sheol, ou, morada dos mortos. Ali a decadência do homem alcança seu degrau mais baixo. Isto por que o pecado é um processo desumanizador, ou seja, todo o tesouro divino depositado no homem é desvalorizado, ao ponto de não restar o menor traço da identidade espiritual que Deus imprimiu-lhe. É uma espécie de demonização, onde o ser humano transfigura-se em ser diabólico e satânico, voltado para a morte, que é a vida sem Deus e a oposição a Deus.

11.  Daí ser a história do homem uma tragédia, marcada pelo pecado e o distanciamento de Deus. Presente neste mundo está Satanás, com sua tirania multimilenar e afronta contínua ao Criador. Este opositor de trevas mantém um principado na terra, acorrentando os homens e suas instituições a seu império de morte. Toda tentativa humana em busca do paraíso perdido, ou seja, aos benefícios da vida presente, resultam em corrupção, ganância, ódio, guerras, morticínio, e outras ramificações da maldade. Se os homens instituem um Estado, Satanás o torna opressor, lançando mão da política, da cultura, da educação, da ciência e da religião. Se os homens organizam uma sociedade, Satanás espalha a discórdia, a competição desleal, a concorrência nefanda e a desconfiança mútua. O mundo sem Deus, tendo Satanás como príncipe e os pecadores como súditos foi o resultado da escolha adâmica naquele dia da queda humana.

12.  Há, contudo, um trunfo divino na história humana: Livre arbítrio! Foi por escolha de Adão que o pecado entrou no mundo. É por decisão de Cristo que o pecado sai. Como por um homem o pecado reina, por outro homem o perdão prevalece. O perdão é superior à culpa, e anula o pecado. Ainda que o pecador esteja perdido em meio à sujeira e à lama de seus atos, Cristo tem autoridade para perdoá-lo, inocentando-o de seus erros, e levando-o de volta ao estado paradisíaco, ou seja, de comunhão com Deus. Este perdão de Cristo é anunciado no Evangelho, o anúncio de Deus ao mundo de que o pecado foi vencido na cruz de Jesus Cristo.
  
13.  Jesus, filho de Maria e José nasceu por milagre do Espírito Santo. Ele descende de pais humanos e remonta sua ancestralidade até Adão. Ele tem sua entrada no mundo em analogia à entrada de Adão, uma vez que assim como Adão veio de Deus, também Cristo de Deus veio. Ambos têm o mesmo Pai, e são fruto do Espírito de Deus, o sopro de Deus. Se a terra é mãe de Adão, Maria também é pó, também é terra. Se o primeiro era inocente em seu estado existencial, o segundo além de ser inocente, assim permanece para sempre. O fato de Cristo haver nascido biologicamente dá-lhe irmandade com todos os homens. E ter nascido em pleno governo romano, dá-lhe algemas políticas tanto quanto a nós. Ter vivido em cultura judaica o condiciona tanto quanto a nós. Ser chamado de rabino o aproxima de nossas religiões. Cristo é verdadeiro homem, co-existente com o Eterno e conosco, por isso, pode fazer ponte entre a terra e o céu.

14.  Uma vez perdoados de nossos pecados, somos emancipados do poder de Satanás, e enviados pelo mundo com a palavra do Evangelho. Estamos autorizados por Deus a salvar o que tem se perdido, libertar o que estiver cativo, alimentar o faminto, ressuscitar quem morto estiver. Este envio ao mundo decaído é uma missão, ou tarefa missionária. É encontrar o pecador envolvido com a política satânica e despertá-lo de sua indolência. É gritar a plenos pulmões que o tempo está cumprido e o Reino de Deus chegou a nós. É enfrentar as legiões de Satanás e participar da vitória do Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo.

15.  A salvação de Jesus Cristo abarca o homem todo, significando que nenhuma unha do pecador pode permanecer no Egito, ou, serviço ao pecado. O homem todo quer dizer alma, corpo e espírito. Quer dizer sua casa e seus empreendimentos, seus sentimentos e intenções, seu presente e futuro, suas renúncias e ganhos. O homem todo quer dizer sem reservas e parcialidades, por que foi assim que Jesus entregou-se por nós. Ele inteiro deu-se pelo pecador, sorvendo nosso veneno e morrendo nossa morte. Ele esteve por três dias no mundo dos mortos, aprisionado no sepulcro. Mas ao terceiro dia deus o levantou do túmulo, e deu-lhe autoridade sobre a morte e o inferno. Também o assentou à sua direita dizendo-lhe que permaneça ali até que haja posto todos seus inimigos por apoio a seus pés. Seu reino não tem fim, por que ele está vivo para sempre...

16.  O missionário é o amigo de Jesus Cristo, e pode falar dele livremente, a todos os homens, em todos os lugares, e qualquer ocasião. Não precisa preocupar-se com o túmulo, pois está vivendo e reinando com Cristo. Pode falar com o Pai a qualquer momento, sobre qualquer assunto, pois conta com a mediação de Jesus e a assistência do Espírito Santo até que sua vida terrena chegue ao fim. O missionário é amado pelo Pai, e pode confiar na bondade de Deus para agraciá-lo em meio às vicissitudes e tentações do inferno. Será guardado do mal e receberá a coroa da vida.

17.  Mas é preciso manter-se leal até o fim, não se esquecendo de sua vocação e eleição. Deve batalhar pela fé, lutando com feras, serpentes e escorpiões. Sustentar a verdade ao custo de sua existência terrena e não ter por preciosa nenhuma de suas posses. Poderá sofrer desventuras, pesares, tristezas e revezes. Nunca poderá confiar em suas próprias habilidades, mas colocá-las ao serviço de Jesus Cristo. O missionário é um peregrino em terra alheia, e seu endereço certo está no céu.

18.  Que Deus norteie seus filhos à vocação missionária, dando-lhes chamado ao campo em colheitas, eis minha singela oração, em nome de Jesus Cristo, Senhor Eterno.


Rogério de Sousa

Anjos


1.      Anjo é uma palavra que significa enviado ou mensageiro [Lc 1.19].


2.      Conceitualmente, tratam-se de seres cuja estrutura existencial liga-se ao mundo etéreo, ou espiritual [Hb 1,7,14].

3.      Foram criados por Deus, antes da criação da terra [Jó 38.4-7].

4.      São chamados filhos de Deus [Jó 1.6; 2.1]

5.      Formam o exército dos céus [Ne 9.6].

6.      São milhares de milhares [Ap 5.11].

7.      Possuem um nome pessoal [Is 40.26]

8.      Diferenciam-se nas categorias, sendo:

a.       Querubins, ou Tronos [Nm 7.89; 2º Sm 6.2; 22.11; Cl.1.16]
b.      Serafins, ou Altares [Is 6.6]
c.       Arcanjo, ou Principado [Dn 10.13,21; 12.1; Jd 1; Ap 12.7]
d.      Anjos, ou Potestades [Ef 3.10]

9.      São multiformes, assumindo aparência de:
a.       Homens [Jz 13.6]
b.      Animais [Ez 1.10]
c.       Fenômenos [Ex 13.21,22; 14.19; 23.23; Hb 1.7]

10.  Possuem liberdade para pecar [Jd 6; Ap 12.4]

11.  Podem castigar os homens desobedientes [At 12.23; Ap 8.13]

12.  Serão julgados pelos santos [1º Co 6.3]

13.  Participam do Culto a Deus [Ap 5.8; 8.3]

14.  Virão com Jesus nas nuvens [2ª Tes 2.7]

15.  Ajuntarão os ímpios para o inferno [Mt 13.40-43]

16.  Batalham contra Satanás [Ap 12.7]

17.  Recepcionam os santos nos céus [Ap 21.12]

Palestras de Administração Eclesiástica



A Igreja é una, santa, universal e apostólica; uma comunidade espiritual, mística, socialmente organizada e fundada por Deus através de Cristo. Os que a ela pertencem confessam haver um só batismo, esperam a ressurreição dos mortos e a vida eternal no mundo vindouro. Formam um só corpo – homens e mulheres que externamente constituem uma verdadeira comunidade social e histórica, salvos e santificados por Deus para conhecê-lo e santamente servi-lo; pessoas humanas que renovam sua espiritualidade cada vez que se reúnem em nome de Cristo, seja para ministrarem o culto, seja para deliberarem sua administração;

1º.    Cabe ao administrador eclesiástico dominar a matéria em pauta, tendo em mente que sua liderança deve preservar a Unidade da Igreja. Daí, ser preciso conceituar Igreja, Denominação e Ministério.
a.       Igreja é o Corpo de Cristo, constituído pela totalidade dos cristãos no mundo inteiro, indiferente da profissão eclesiástica.
b.      Denominação é uma parte do Corpo de Cristo constituído por minorias cristãs embandeiradas sob uma identificação eclesiástica, conforme a visão do fundador.
c.       Ministério é uma ramificação pessoal de um líder cristão, cujo fim remonta-se á visão do ministro-mor.

Segue-se que o administrador eclesiástico deverá desenvolver filtros eclesiológicos para não “rachar” a comunhão cristã devido a um *preconceito sectarista. Todo administrador eclesiástico deve desenvolver a visão de Corpo Inteiro, além da concepção de membro isolado.

2º.    Cabe ao administrador eclesiástico adestrar sua liderança pelo ideal da santidade, que significa manter a Igreja distinta da sociedade mundana. Ainda que o serviço cristão seja intra-mundano ele se mantém acima da corrupção terrena. Os apelos da politicagem e da propaganda secularista não podem concorrer com o trabalho de amor e piedade que os santos desenvolvem na sociedade.

3º.    Cabe ao administrador eclesiástico expandir a universalidade da Igreja, significando isto que, muito ao contrário de fechar as portas do diálogo, deve ele abrir-se para o contato com todos os homens, mesmo com os contrários ao Evangelho. Somente pela abertura ao diálogo poderá o cristianismo romper com os dogmas religiosos impostos por lideranças sectaristas. O fechamento dentro de si não converterá o mundo para Cristo.

4º.    Cabe ao administrador eclesiástico sustentar o trabalho missionário. Ele enviará ganhadores de almas ao campo e garantirá o suprimento aos voluntários da causa. Por palavras e obras mobilizará contingente e recursos para manter esta obra viva.

5º.    Cabe ao administrador eclesiástico conduzir a espiritualidade cristã “em bloco”, ou seja, comunitariamente. Todo cuidado pastoral deve evitar privilégios para grupos localizados ou membros carismáticos, o que deterioraria as relações fraternais. É em comunidade que o Espírito Santo fenomenaliza a Palavra, o Canto e a Prece.

6º.     Cabe ao administrador eclesiástico preservar o caráter místico da Igreja, cuidando para que o estudo sistemático das doutrinas cristãs, o conhecimento filosófico e teológico não descambe para o cientificismo frio e a ortodoxia morta. O Corpo deve manter-se vivo e respirando a atmosfera do adorado Espírito Santo.

7º.    Cabe ao administrador eclesiástico manter a organização da Igreja conforme os modelos deixados por Cristo em o Novo Testamento. Esta organização regula as relações entre as ordens ministeriais, a membresia e a sociedade em volta. Nunca pode o administrador eclesiástico descuidar-se das relações públicas, deixando que Satanás prevaleça com o ódio em lugar da concórdia.

8º.    Cabe ao administrador eclesiástico batizar regularmente todos os convertidos à fé cristã, seguindo a fórmula ensinada no Evangelho, que dita: “Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. Este batismo é válido ad infinitum e não precisa ser renovado, uma vez efetuado com o consentimento e ciência do batizando.

9º.    Cabe ao administrador eclesiástico perpetrar o ensino sobre a ressurreição dos mortos e a vida eterna. Eles são emblemas de nossa pregação no mundo todo desde a revelação de Jesus Cristo e precisam ser artigo de fé em todos os corações cristãos. A vinda de Cristo em sua glória deve ser lema de todo administrador eclesiástico.

10º.           Cabe ao administrador eclesiástico integrar homens e mulheres com a sociedade civil, estimulando a vocação de cada um com vistas ao desenvolvimento pleno da história humana, significando isto o envolvimento pessoal da cristandade com as estruturas do Estado e da Igreja.

11º.           Cabe ao administrador eclesiástico embasar o conhecimento teológico dentro das premissas de santidade e serviço, mantendo a dicotomia da vida que é: “saber e fazer”. Ainda que o conhecimento de Deus seja de caráter contemplativo, para a Igreja é máxime que a ciência sirva à causa cristã.

12º.           Cabe ao administrador eclesiástico reunir a cristandade “em nome de Cristo”, em qualquer lugar que houver dois ou mais irmãos, concitando-os à espiritualidade e renovação da comunhão.

13º.           Cabe ao administrador eclesiástico ministrar o culto ao Senhor, respeitando as liberdades individuais e estimulando as vocações corporativas. Por culto deve-se entender todo e qualquer serviço cristão em honra a Cristo. O culto pode ter um caráter:
a.        Ritualista, seguindo as liturgias previamente estabelecidas;
b.      Devocional, seguindo os impulsos voluntários da alma e do Espírito Santo;
c.       Educacional, seguindo as metodologias de ensino e/ou discipulado;
d.      Beneficente, seguindo as necessidades dos santos e/ou pecadores;

14º.           Cabe ao administrador eclesiástico administrar a Casa de Deus, seguindo os princípios reguladores da comunhão cristã expressos em o Novo Testamento, pautando a conduta do povo de Deus no ensino dos Apóstolos e Profetas do Senhor, os quais deitaram suas vidas no combate desta fé. Para auxílio ao administrador eclesiástico, a Igreja deve munir-se de cinco livros:
a.       A Bíblia, a Palavra de Deus no Antigo e Novo Testamento. Escrita por homens preparados e supervisionados pelo Espírito Santo. Possui autoridade divina infalível em todos os assuntos que abordam. Deve ser aceita como instrução divina em tudo o que afirma. Obedecida, como penhor divino, em tudo o que promete. Tendo sido verbal e totalmente dada por Deus, a Bíblia não apresenta erro ou falha em nada que ensina, quer naquilo que afirma a respeito dos atos de Deus na criação e nos acontecimentos da história mundial, quer na própria origem literária sob a direção de Deus, quer ainda no testemunho que dá sobre a graça salvadora de Deus na vida das pessoas;













b.      O Estatuto Social, documento que registra a existência da Igreja ante o Estado. Ele deverá conter os seguintes capítulos:
CAPÍTULO I     -  DENOMINAÇÃO, NATUREZA, SEDE E FINS
CAPÍTULO II     -   DOS MEMBROS DA IGREJA, ADMISSÃO, TRANSFERÊNCIA E DESLIGAMENTO
CAPITULO III    -   DOS DIREITOS E DEVERES DOS MEMBROS
CAPÍTULO IV   - DA ASSEMBLÉIA GERAL
CAPÍTULO V    -  DA DIRETORIA
CAPÍTULO VI   -  DO CONSELHO FISCAL
CAPÍTULO VII  - DOS MINISTÉRIOS
CAPÍTULO VIII – DO PATRIMÔNIO E DA RECEITA
CAPÍTULO IX   - DAS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS
CAPÍTULO X     - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

c.       O Livro Ata, constando data de fundação da Igreja e membros fundadores, Neste livro será registrado o histórico da Igreja, conforme deliberações em assembléias gerais ordinárias e extra-ordinárias.

d.      O Livro Caixa, constando de entradas e saídas financeiras da Igreja. Nele deve ser registrado toda movimentação econômica, sem exceções nem abertura para “caixa dois’”.

15º.           Por fim, cabe ao administrador eclesiástico pastorear o rebanho de Cristo, sabendo que é seu dever aperfeiçoar a conduta cristã com vistas ao modelamento de uma Igreja onde:
a.       a liberdade de consciência criará uma nação cristã robusta;
b.       a verdade não será mascarada para servir ao interesse dos covardes;
c.       a vontade popular, disciplinada pelo Evangelho, será um testemunho contra os impulsos idolátricos;
d.      a justiça será acatada e elevada;
e.       a administração pastoral embasará sua legitimidade na cultura da inteligência espiritual, diplomacia pluriconfessional e desenvolvimento valorativo das faculdades humanas;
f.         a liberalidade orçamentária constituirá o mais reprodutivo emprego da riqueza eclesiástica;

Rogério de Sousa

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Como Kant se Posiciona diante da Controvérsia entre Racionalismo e Empirismo

Análise da seção I da introdução da Crítica da Razão Pura,
denominada Da diferença entre conhecimento puro e empírico


Resumo


A seção I da Introdução da Crítica da Razão Pura aponta uma crítica à forma de empiristas e racionalistas tratarem a matéria do conhecimento. Permeado pela tradição da filosofia idealista, Kant constrói uma ponte com os conceitos do apriorismo e do aposteriorismo e propõe uma forma exigente de pensar a epistemologia.  
“as aparências devem ser consideradas como sendo, todas elas, apenas representações, não coisas-em-si, e que tempo e espaço são, por conseguinte, apenas formas sensíveis de nossa intuição, não determinações dadas como existindo por si mesmas, nem condições dos objetos vistos como coisas-em-si” (Kant)

1.      Todo o nosso conhecimento começa com a experiência[1]


Kant despertou de sua modorra dogmática[2] ou, sono metafísico[3]. Até a Crítica da Razão Pura o conhecimento andava por vias dogmáticas ou céticas. Ora tropeçava para a afirmação absoluta de que era possível conhecer, ora tombava para o caminho duvidoso dos examinadores e pragmáticos. As respostas racionalistas e empiristas formavam uma gigantesca muralha em torno da questão epistemológica, e dentro desta fortaleza, o conhecimento se via protegido dos ataques ameaçadores do gigante prussiano de Königsberg.  De longe, o colosso do idealismo crítico armou a catapulta e laçou sua primeira pedra de fogo: “todo o conhecimento começa com a experiência”. Esta é uma sentença consensual de Kant. Abre o diálogo com o empirismo, para quem “todo conhecimento é atribuído aos sentidos [os quais] não podem apreender o absoluto[4]”. 

Segundo FERRATER,
Há três tipos de empirismo: o psicológico, o gnoseológico e o metafísico. Para o primeiro, o conhecimento tem integralmente a sua origem na experiência; o segundo defende que a validade de todo o conhecimento radica na experiência; o último afirma que a própria realidade é empírica, isto é, que não há outra realidade para além da que é acessível à experiência e em particular à experiência sensível[5]”.

O empirismo revisado na Crítica corre dentro do canal da filosofia moderna de Francis Bacon (1561-1626), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1756). Kant aceita a possibilidade empírica do conhecimento, mas cerceado pelas condições parciais de nossa humanidade, ou seja, como via primária para o saber das coisas, mas não suficiente, ou, necessária: “Conhecemos apenas o fenômeno, o que nos aparece e segundo nossas condições, mas a coisa em si, isto é, como ela é, tal nos escapa ao conhecimento[6]”.

2.      Nem por isso todo ele se origina justamente na experiência


Com esta sentença, Kant abre diálogo com o racionalismo. Na verdade, é sua segunda pedra de fogo, com a qual alveja a filosofia de René Descartes (1596-1650), Nicolau Malebranche (1638-1715), Blaise Pascal (1623-1662), Benedictus Spinoza (1632-1677) e Gottfried Wilhelm Leibnitz (1648-1716). Mário Ferreira dos Santos diz que:

“Ele permanece fiel ao primeiro postulado do racionalismo; isto é, que toda experiência é um pensar. Daí que todo pensar seja um julgar, e todo julgar o completar uma síntese por categorias, isto é, síntese nas formas do intelecto[7]”.

A postura kantiana ante o dilema é de alargamento das funções racionais e empíricas. Ao despertar do sonho metafísico, ele não quer voltar ao sono e estreitar a possibilidade do conhecimento. Segundo Hamilyn, “o declarado objetivo de Kant é solapar as alegações de uma suposta faculdade de razão pura, que poderia chegar às verdades sobre o mundo ou sobre a realidade independentemente da experiência[8]”. Ele rebatiza conceitos em sua Crítica, chamando o conhecimento empírico de a posteriori e o racional de a priori ou puro. Isso lhe permite revisar a epistemologia agregando-lhe nomenclaturas que distinguem o juízo analítico do sintético. Feitas as disjunções, ele parte num segundo momento para as conjunções. Os termos de unem para classificar o juízo como analítico, sintético a posteriori e sintético a priori

3.      Conclusão


Kant se posiciona pelo criticismo ante o empirismo e o racionalismo. Embora ceda espaço para um e outro com o fim de manter o diálogo, procura apontar para as limitações de ambos os métodos. A limitação da experiência é o subjetivismo e o particularismo. Carece de universalidade e de necessidade. A limitação da razão é o horizonte do fenômeno. A tese de Kant é que temos que supor que as representações são de alguma maneira, devidas ao que ele chama de coisas-em-si, mas não podemos ter conhecimento delas.

Referências Bibliográficas


HAMLYN, David Walter - Uma História da Filosofia Ocidental
MORA, José Ferrater, Dicionário de Filosofia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1978
SANTOS, Mário Ferreira dos, Convite à Filosofia e à História da Filosofia, São Paulo, Ed. Logos



[1] O texto utilizado é uma tradução de Valeri Rohden e Udo Baldur Moosburger (Os Pensadores, Nova Cultural)

[2] Kant alega[va] que fora a leitura de Hume (não está claro o quanto) que o despertara de sua “modorra dogmática (HAMLYN, David Walter - Uma História da Filosofia Ocidental)

[3] Kant foi “despertado do sono metafísico” pelo pensamento de David Hume cujas análises, especialmente do conceito de causalidade, demoliam as pretensões do dogmatismo metafísico de afirmar verdades eternas a respeito da essência ultima das coisas. (Introdução à Crítica da Razão Pura, coleção Os Pensadores, editora Nova Cultural).

[4] SANTOS, Mário Ferreira dos, Convite à Filosofia e à História da Filosofia, São Paulo, Ed. Logos. p.80

[5] MORA, José Ferrater, Dicionário de Filosofia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1978
[6] SANTOS, Mário Ferreira dos, Ibid, p.61
[7] Ibid, 84
[8] HAMLYN, David Walter - Uma História da Filosofia Ocidental