segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Homem à Luz da Antropologia e da Teologia

 Resumo

A pessoa humana e as conceituações no tocante ao seu significado. Síntese da proposta humanista. Considerações sobre o ser humano visto pelo viés de um sujeito Plurifacetado em vista de ser uma unidade e uma pluralidade simultaneamente. Quais atitudes tornam a pessoa mais humana, levando-a a viver as dimensões da consciência, do amor e da liberdade com ética e de forma cidadã.

 

Conceito de pessoa humana


Que é o homem mortal para que te lembres dele?
e o filho do homem, para que o visites?
                     Salmo 8.4

 O Homem é o lobo do homem
Thomas Hobbes

E há de homens ruins,
mais que mil vezes que não bons,
Gil Vicente

Pensar o homem no contexto da pós-modernidade, quinhentos anos após a Renascença e o Humanismo pré-iluminista é uma tarefa de reengenharia, mesmo por que o homem que chegou ao zênite do século XX e inaugurou o novo milênio, não mais pode ser conceituado pela tricotomia Corpo-Alma-Espírito, nem mesmo pela dicotomia material-espiritual. Desde o advento do cientificismo[1], o Fenômeno Humano[2], como diz Chardin, vem enfrentado uma crise antropológica de gigantesca proporção, ao ponto de se afirmar que “não há essência humana alguma no homem, por que ninguém nasce homem, faz-se homem”. Segundo Bernadette Abraão, Sartre afirmava que “o homem nada é enquanto não fizer de si alguma coisa[3]”, e o existencialismo sartriano tornou-se metodologia antropológica de muitos humanistas em nosso tempo.

Seguindo o fio de prata da antropologia, encontramos uma bifurcação significativa para a compreensão do Fenômeno Humano. Um braço conduz à antropologia científica, conceituada como “ciência natural que se ocupa do homem, o qual estuda quanto a seus caracteres físicos e mentais, seus idiomas, sua altura presente e passada e sua organização social[4]”, o outro nos conduz à antropologia teológica, ”ou seja, [àquela] disciplina, ou melhor ainda,  [àquela] parte ou setor da teologia dogmática que nos ensina o que somos à luz de Jesus Cristo, revelador de Deus[5]”. Querer pensar antropologia à margem da teologia é desnivelar o assunto em sentido abissal, ou seja, é naufragar o navio e afogar-se com ele. Pascal nos faz saber que “a natureza nos colocou tão bem no meio que, se mudarmos um lado da balança, mudamos também o outro. Isso [...] faz crer que há molas em nossa [existência], de tal maneira dispostas que quem toca uma toca também a contrária[6]." Quem pensa o humano à parte Deus tomba um dos braços da balança e sobrecarrega uma só mola com todo o peso da existência. Invariavelmente, esta mola emperra e condiciona todo o peso que está sobre si a tombar para o abismo.

A proposta humanista


Pensar o humano é realizar um humanismo. Segundo a Enciclopédia Barsa o humanismo foi:
“[um] movimento cultural surgido na Europa, durante a Renascença, baseado nos estudos dos autores gregos e romanos, que atribuía importância fundamental ao homem; posteriormente o termo foi adaptado, surgindo um humanismo científico (F.C.S. Schiller), um humanismo cristão (Maritain) e um humanismo marxista (Marx e Engels)[7]”.


Segundo Bernadette Abrão, “é em nome do humanismo que o homem, mesmo temeroso, começa a separar-se da grande ordem do universo, para ser o seu espectador privilegiado. Mais do que isto, ele é o organizador desta ordem[8]” Para Pedro Netto, “já por seu próprio conceito, constitui o homem elemento fundamental da sociedade. [...] Forçoso [se faz] reconhecer que a sociedade existe para o homem e constitui-se de homens vinculados, unidos, relacionados em busca de um fim comum[9]”.
John Friedmann, comentado por Benedicto Silva, diz que o “homem [deve ser colocado] invencível e indestrutível, no centro de um sistema de valores, [o que seria] outra maneira de repetir o velho aforismo de Protágoras: <<O homem é a medida de todas as coisas[10] e para João Mackay, “a única atitude criadora em face da vida é a do homem que se apega a uma idéia ou causa superior, idéia ou causa que lhe absorva todas as energias do cérebro, do coração, dos braços. Que seja um obreiro de alguma forma. Que ponha seu talento a serviço de alguma coisa de importância indiscutível. Que encontre, vale dizer, sua vocação na vida[11]”.

O ser humano fragmentado


O homem do humanismo e da renascença não apresentava problema algum para nossa raça, até que amalgamou o prefixo (homem) com o sufixo (centro), dando origem ao monstro do antropocentrismo. Esta centralização de todas as coisas no sujeito homem é de uma ambigüidade e uma ambivalência muito perigosa. O antropocentrismo é conseqüência direta do humanismo, mesmo do humanismo representado por Erasmo. “Ele sustentava a convicção liberal humanista de que os argumentos a respeito da doutrina [religiosa] eram de pouco valor, enquanto a exaltação das capacidades humanas naturais dignificava a natureza humana[12]”. E o antropocentrismo não é o único vilão da história. No Livro "História I, de Ricardo de Mora Faria, Editora Lê, página 35" há uma elencação dos companheiros do Humanismo.
a) O Classicismo, que foi um retorno à antiguidade pagã dos gregos e romanos;
b) O Individualismo, que abandona o corporativismo da existência para fragmentá-la no ocaso da solidão egotista;
c) O Hedonismo, que é a busca do prazer como meta existencial acima de tudo e todos;
d) O Naturalismo, que é o abandono da busca pelo espiritual e o acomodamento ao status biológico da existência;
e) O Espírito Crítico, que é a postura do questionamento a todos os dogmas em todos os campos do conhecimento, provocando a ruptura entre verdade e relatividade;
g) O Racionalismo, que é limitação da existência ao âmbito da razão.

            Fragmentado, o homem chega a este século alienado de si mesmo, de suas fontes e origens. Perdeu sua identidade, e subsiste como coisa-no-mundo, ou, ser-para-a-morte. Há redenção?


Pela ótica da antropologia teológica, há redenção. Ela oferece de forma dogmática o que Carlos Wagner expressou em poesia:

Um homem aquele que acredita na vida, no útil caminhar dos dias, no trabalho fecundo, na dor que liberta; é aquele que confia na vontade que está no âmago das coisas.
Um homem é aquele que tem um coração fraternal, que não concebe a sua felicidade separadamente da felicidade de seu próximo, que permanece uno com o conjunto dos seres, que ama a humanidade como ama a sua família, a sua pátria, com todo o amor de seu coração e toda a força de seu sacrifício.
Um homem é aquele que procura governar-se, não de acordo com as suas paixões, seus interesses ou seus caprichos, senão, consoante as leis de justiça.
Um homem é aquele que sabe lutar por tudo o que é bom, que sabe sofrer por tudo o que se adora. É aquele que sabe odiar o mal e contra o mal mover guerra sem quartel, por que sabe que ele é nosso inimigo supremo.
Um homem, em suma, é aquele que sabe morrer, aquele que compreende que dar a sua própria vida não significa perdê-la, senão salvá-la; é passar do efêmero para o eterno.
 

       Para o religioso, o ser humano ocupa não o lugar central do universo, mas o lugar gerenciador da ordem cósmica. Desde as origens, existe uma proposta hierárquica para o homem. Este deve ser o dominador de todas as criações de Deus. Segundo Isaltino Gomes, doutor em hebraico bíblico:

“O homem é “imagem” (tselem) e “semelhança” (demt) de Deus. O que significam estes dois termos? Não se referem a imagem física, pois Deus é Espírito e não tem corpo. Os termos parecem sinônimos ou uma repetição para reforço (não aparece no texto hebraico o vav, partícula que corresponde à nossa conjunção “e”, como função de conetivo) e indicam a diferenciação entre o homem e o restante da criação. Quatro aspectos podem ser pensados aqui: Primeiro: somente o homem recebeu o sopro de Deus (2.7) e tem um espírito imortal. Segundo: somente o homem é um ser moral, diferente do resto da criação. Não precisa obedecer a seus instintos. Terceiro: o homem é um ser racional, com capacidade de pensamento abstrato e de produzir idéias. Quarto: o homem, à semelhança de Deus, passa a ter domínio sobre a natureza e seres vivos. Ele é representante de Deus no mundo, investido de autoridade e domínio. Ele é divinamente comissionado para sujeitar a terra. O hebraico é kibesheda, literalmente “pisar sobre”. Ele é o administrador de Deus na terra. Isso nos ajuda a entender os dois termos[13]. 

Entender o homem como um sujeito imbuído de unidade e totalidade, é vê-lo como alguém ao qual não se pode interpretá-lo por um único prisma. Assim, torna-se possível dilatar as formas de compreensão da personalidade singular de cada indivíduo.
Cada pessoa é uma complexidade, e é imprescindível considerar cada aspecto no entorno dessa complexidade do ser, desse modo a pessoa compreenda o seu devido lugar no universo.
Quando o sujeito toma consciência dessa unidade bem como da totalidade, consegue abrir espaço para a auto-realizarão, compreendida  como seu estar-no-mundo, simultaneamente adquire a compreensão do que seja ser-no-mundo.
O ser-no-mundo propicia ao homem o profundo significado do ser em si mesmo, é assim que o homem se estrutura e se realiza no mundo com os outros.


Referências bibliográficas


ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1999
Ação Educacional Claretiana, 2010 Batatais – São Paulo
BARSA, Enciclopédia
FILHO, Isaltino Gomes Coelho. Gênesis I: capítulos 1-11 – JUERP, Rio de Janeiro, 1992
FRIEDMANN, John R. P. Introdução ao Planejamento Democrático. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1959,
LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica, Ed. Loyola, São Paulo, 1998
MACKAY, João A. O homem verdadeiro in Antologia da Sabedoria V. 1 Os Grandes Pensadores, Ed. Logos, São Paulo,
MODIN, Batista. Antropologia Teológica. Ed. Paulinas, São Paulo, 1979
MORES, Ed Ridendo Castigat in Penssamentos de Blaise Pascal (www.ngarcia.org)
NETTO, Pedro Salvetti. Curso de Teoria do Estado. Ed. Saraiva, São Paulo. 1984, p.24
WRIGHT, R. K. Mc Gregor. A Soberania Banida, Redenção para a cultura pós-moderna. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998


[1]  Esforço de certos cientistas e sábios no sentido de reduzir as teorias da ciência a fórmulas matemáticas. 2 Filos Doutrina que se funda nos conhecimentos científicos, relegando a um segundo plano as especulações transcendentais. Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=cientificismo
[2] Este livro está foi editado no Brasil pela editora Pensamento-Cultrix
[3] ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1999
[4] BARSA, Enciclopédia, v.15, verbete antropologia, p.30
[5] LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica, Ed. Loyola, São Paulo, 1998
[6] MORES, Ed Ridendo Castigat in Penssamentos de Blaise Pascal (www.ngarcia.org)
[7] ENCICLOPEDIA Barsa, V. 15, Rio de Janeiro, São Paulo, 1969, p.154 (verbete humanismo)
[8] ABRÃO, Bernadete Siqueira. História da Filosofia. Ed. Nova Cultural. São Paulo. 1999, p.130
[9] NETTO, Pedro Salvetti. Curso de Teoria do Estado. Ed. Saraiva, São Paulo. 1984, p.24
[10] FRIEDMANN, John R. P. Introdução ao Planejamento Democrático. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1959, p.XVII
[11] MACKAY, João A. O homem verdadeiro in Antologia da Sabedoria V. 1 Os Grandes Pensadores, Ed. Logos, São Paulo, p.56
[12] WRIGHT, R. K. Mc Gregor. A Soberania Banida, Redenção para a cultura pós-moderna. São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998, p.27
[13] FILHO, Isaltino Gomes Coelho. Gênesis I: capítulos 1-11 – JUERP, Rio de Janeiro, 1992filosofia

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